terça-feira, 2 de novembro de 2010

patas de gatos

Isabela sentava na sua cama. Pensava em tudo que lhe havia ocorrido na semana.
Eram textos e mais textos para decorar. Molhava a boca em um chá, doce com aroma de rosas, lambia os lábios como se fosse beijar o vento. Com uma colher pequena e fina, tirava o sachê, e as gotas contruíam um caminho, até a mesa, como se fossem marcas de patas de gatos. Isabela pensava nos gatos. Há tantos anos que não os via.
Mas tinha muitos textos para decorar, e o frio já a ajudava mais. Antes, era prazer se sentir européia. Se sentia melhor do que quando morava naquele interior de Mina Gerais, o calor, o verde, o cheiro de chuva e de café. A mesa farta, bolos, pães, sucos e queijos. Doces... Ah, o doce de goiaba que sua avó fazia.
O último que Isabela comeu foi quando passou o outono na casa de Lucia, na Galícia. Era quase tão bom quanto a da sua avó. Mas não era o mesmo.
E agora, Isabela sentia falta disso tudo. E foram só dois anos na cia de Teatro. O primeiro ano era aquela coisa, aquele charme, aquele casaco, o cigarro, o vinho, os sapatos vermelhos, olhares blasé e passeios em direção ao Louvre.
O segundo ano te trazia saudades. Era somente aquela frieza, aquela falsidade, aqueles intelectuais, aquele charme irônico e hipócrita. Isabela não gostava mais de Paris. Impossível, dizia sua namorada. Aqui podemos ser livres, aqui podemos nos amar.
Isabela já não queria mais amar. Tinha que decorar os textos. Beber seu chá, doce. Doce demais para o amargo que estava sua vida. Tinha que pagar as contas, e ligar para Lucia toda vez que ela sumia de casa.
Isabela queria viver. Queria descansar. Abraçar seus gatos. Pisar descalça na grama
Isabela queria voltar. Mas se perguntava quando, como, se iriam aceita-la.
Ela queria somente, largar o chá, e comer o doce de goiaba da sua avó.

Nenhum comentário: