quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Bailarina;

Calçou a sapatilha delicadamente. sabia que deveria, antes de mais nada, deitar-se no chão, e sentir o espírito do lugar que iria ocupar, daqui a uma hora, seu coração e sua mente. Como sabia (e sentia) que iria ocupar, senão o coração, ao menos os olhos, que os que lá estavam a vê-la.
Sentiu o ar, o chão, sua base. lembrou-se da mãe, que nunca conhecera. Lembrou-se do pai, preso. Lembrou-se da madrinha, seu verdadeiro, real chão;
E então, em um movimento delicado, como árvores sendo balançadas pelo vento, levantou as duas pernas, fez os círculos correspondentes a notas musicais de um blues. 
E em um movimento brusco, lembrou o rock, e bateu seus pés (delicados) com toda a força que pôde no palco. e gritou. soltou o ar, soltou a tensão, soltou o coração. Respirou bruscamente, abriu os olhos e cantou, como um pássaro.
Ao se levantar, girou o pescoço, e então percebeu que havia ali, um homem a observá-la. De olhos atentos, apaixonado. rosto velho e maltratado. A olhava em tudo, em detalhes. Tremia e tentava, sem sucesso, soltar uma sílaba, que pudesse corresponder ao amor que sentia por aquela menina-pássaro.
A bailarina o fitou uma vez, somente. deu meia volta, e foi maquiar-se no camarim.
Não olhou para trás. Nunca mais o viu.

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