quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

céu de estrelas



Mordeu umas três bolachas no caminho da mesa até o sofá com colcha bordada com o rosto do Charlie Chaplin. A pausa do livro do Caio a fazia pensar sobre o que queria ainda da vida. “ele não deveria ter vindo aqui”. Pensou nisso por dias, enquanto a pele quente e seca torrava no sol de verão da cidade de São Paulo.
Ela pensou que talvez não tivesse mais sentimento dentro de um coração duro e entristecido. “olha a bolacha aberta aqui” sua mãe dizia ao passar pela sala. – estou comendo! Tentava justificar a todo instante sua falta de atenção às coisas da casa. O ventilador no teto fazia aquela sombra típica de filmes de ação, quando o policial interroga o suspeito do crime, do assassinato. Se sentia assim, dentro de um sonho. Sendo interrogada como suspeita de um crime em sua própria casa. Um crime contra ela mesma, um crime contra os seus próprios sentimentos.
E tentou a todo instante não deixar cair uma lágrima que fosse quando terminou de assistir aquela comédia romântica com a família. Sabia que se não estivesse de férias, teria ido para o seu quarto, e ao deitar no travesseiro, teria derramado todas as lágrimas contidas em seu peito. Sabia que seriam lágrimas de amores perdidos no passado, de amores impossíveis, de amores que teve que se desfazer, amores que foi egoísta, que foi impura, que foi culpada.
Mas ela não estava em casa. Estava de férias. E como algo tão contraditório em si mesma, ela sabia que esse era o momento o qual ela esperou o ano inteiro, que estaria feliz consigo mesma sozinha, se descobrindo. Mas odiava ficar sozinha. Odiava ter que segurar suas lágrimas porque não poderia deitar a cabeça no travesseiro e chorar sem que ninguém a ouvisse. Por um instante teve o impulso de sair correndo, pegar sua vodka e seu cigarro e correr, para qualquer lugar noite afora. Mas se continha. E a cada contenção, se matava mais um pouco.
Queria chorar e não era por causa da comédia romântica, a qual, finalmente, ela estava aprendendo a desgostar. Queria chorar porque achava que não havia mais sentimentos dentro dela. Queria chorar porque não queria mais saber o que era o amor. E não sabendo o que era amar, não poderia mais doer. Queria acender o seu cigarro. E chorar por não sentir a culpa pelo que fez. Porque ele foi até ali?
Entender os motivos que o levaram a viajar durante horas só para vê-la, só para dizer que amava, e ela sem ter o que dizer. Amar, o que seria amar? Ela queria aprender também. E não queria estar com alguém por dó ou com pena, ou por costume. Queria amar como aqueles personagens no cinema amam. Queria amar como os personagens do livro amam e desamam com tanta atenção, cuidado e entrega. Vivenciou uma prova de amor, e não soube o que fazer. Vivenciou uma loucura de amor, e não soube o que responder. Vivenciou alguém arriscando tudo por ela, e não soube ser. Não sou ser ela. Não soube ser amor. Não soube ser sentimento. Não soube ser vida. Soube ser nada. Vazia. Triste com sua própria situação. Teve medo e não soube arriscar, não soube doer em si mesma.
E se levantou, novamente. Para abrir sua vodka. Acender seu cigarro e olhar as estrelas no céus. Mas quais? O céu já não as possuía mais. O céu já não correspondia aos desejos dos amantes. Mas quais? Amantes falsos de ilusões perdidas em noites de verão. Indivíduos solitários, que a cada trago  de cigarro espera uma resposta sem nunca ter feito uma pergunta. Covardes. Sim, “covardes” ela pensou. “Somos todos tão covardes”.

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