quinta-feira, 21 de julho de 2011

Cap. V

O dia em que organizei minha mudança foi o mais difícil dos últimos tempos. Tive que empacotar tudo esperando pelo que vinha no futuro, em um lugar novo, com pessoas novas e um emprego de verdade. Não que os antigos não tenham sido, eram até mais reais que o atual, mas esse é como um resultado de anos que passei estudando, metade deles com sua presença em minha vida, e outra metade com sua ausência me fazendo falta.
Eu empacotei roupas, objetos e perfumes e cheguei na caixa colorida, em que guardo todas as cartas de amigos e amores perdidos nos anos da minha solidão coletiva. Achei essas cartas e esses pensamentos que nunca te enviei, e claro, você provavelmente deve estar em outro país. Sempre foi seu sonho... sonhos? Como cito meus sonhos nessas cartas adolescentes que jurei nunca te enviar, com meus sentimentos infantis e o esquecimento que se nega em não me abandonar.
Encontrei a carta que você me escreveu, a única, e não me refiro ao papel em branco que você me entregou no show de samba, dizendo pra você... uma carta de amor em branco. O que eu encontrei  refletia bem mais o que você sentia por mim, era uma carta um dia após a prova da usp. Aquela prova que terminamos e nos encontramos, jurando não comentar sobre nenhuma questão de matemática ou coisas afins que eu sempre odiei e você sempre foi bem. Aquele seu abraço dizendo que tudo ficaria bem eu não me esqueço até hoje. Me acompanhando até a rua augusta (sempre ela) para eu me encontrar com o meu namorado, e como vocês eram amigos naquele tempo, e comemorar o fim de um ano exaustivo de estudos que me provariam em um dia o que nunca podem me provar em anos. Provas e questões acerca de temas que não fizeram mais parte da minha vida daquele dia em diante. Ás 20h em ponto, daquele domingo de lágrimas eu fui conferir minha prova na lan house, com um copo de cerveja na mão..... e não me lembro de mais nada.
As lágrimas caiam tão rapidamente do meu rosto no mesmo ritmo que a banda de ska tocava no bar ao lado. Cada pessoa e cada cigarro que permanecia ao meu lado era um abismo que eu queria me afundar cada vez mais. Um ano jogado no lixo, um ano de sonhos que nunca poderiam se realizar, e então eu cai. Cai tão profundamente em mim mesma que já não me recordo de mais nada, apenas dele me segurando, e dizendo palavras que me soam gringas na memória. E você me segurando enquanto ele ia fazer não sei o que. Você me segurava e abraçava, enxugava minhas lágrimas e depois acariciando meus cabelos me dizia que tudo ficaria bem, que aquilo não era o fim. Eu não escutava, não escutava ninguém. Queria cair mais profundamente naquela solidão e desilusão que me assolava. Não tinha voz para gritar, nem olhos para abrir. E fui embora, não olhei para trás, não te dei parabéns pelo seu sucesso na prova, não me lembrei de você, fiquei em mim, parada, estática, morta.
E no dia seguinte você me enviou o email, nas primeiras horas do dia, em que tive força de aguentar as noticias do dia anterior. E você me xingou no email, com esse seu jeito grosso e sincero que só você consegue ter. Era o que eu  precisava ouvir, era o que precisava para continuar, e acredito que se não fosse pelas pelavras grossa e ao mesmo tempo reconfortantes, eu não estaria empacotando minhas coisas para sair de casa depois de tantos anos estudando o que me movia pra frente sem você. Porque foi isso que me moveu, a credibilidade que eu sabia que no fundo você sempre teve por mim, mesmo dizendo, anos mais tarde que era minha culpa não ter ido estudar com você, apenas para me ver vermelha de raiva, como você gostava tanto.
Eu juro que senti vontade de queimar essas cartas, e esquecer de vez meu passado que remete a você e seguir em frente, mas no fundo eu sei que não quero esquecer um minuto sequer que passamos juntos, e talvez esse seja o motivo das cartas que escrevi clandestinamente a você durante todos esses anos. Eu sei que um dia você vai me perdoar por eu ter exposto nossa vida... no fundo, você vai me perdoar, e mesmo que não assume isso, não vai mais fazer diferença no que somos hoje. Hoje não é mais aquele café ou aquele tapa na minha mão quando eu acendia o cigarro, hoje é distância, e uma certeza de quem em algum lugar do globo você deve estar rindo dessa lembrança que acabei de descrever.

3 comentários:

Thiago Dalleck disse...

Forte, intenso. Incrível, mais uma vez lembrei do meu pai, apenas pela intensidade do sentimento chamado saudade.

Carol disse...

saudade e memórias. somente isso que tratam esses capítulos. =)

, disse...
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