segunda-feira, 25 de julho de 2011

Inverno

Comeu um pedaço de chocolate, impossibilitada de beber por causa da quantidade de remédios que estava sendo obrigada a ingerir no seu corpo delicado. Um pedaço apenas de chocolate em uma noite fria e solitária em que as mãos não aguentam permanecer descobertas sou sozinhas. Da sua boca saía uma fumaça quase tão hipnótica quanto a do cigarro que acenderia daqui a dois minutos. Era o charme do inverno nas bocas vermelhas e femininas que tragavam cigarros como se traga almas na solidão. No pescoço, um cachecol verde que combinava com as unhas prestes a serem roídas de tanto nervosismo. Mais um pedaço de chocolate e um esfregar de mãos que disfarçava a angústia que todos percebiam na garota solitária encostada no muro ás nove horas da noite de um sábado gelado. Engoliu um dos remédios e acendeu o cigarro, eram trinta minutos de atraso. Ela queria apenas conversar e esclarecer sua ausência que completava mais de um ano. Não, ela não ligava para datas como as outras garotas, assim como ela não ligava quando não retornavam alguma ligação, ou quando mesmo depois de uma noite de juras de amor nem uma mensagem era enviada pra ela. Não, ela não era igual às outras, e talvez esse tivesse sido o motivo da sua fuga, e que na verdade, ela esperou exatamente 436 dias para entender a si mesma. O cigarro já se apagava em seus dedos, e somente mais um trago, apenas mais um para espera-lo, e se ele não chegar até o fim deste, não... do próximo cigarro, irei embora. Como era reconfortante enganar a si mesma, assim como se enganou todos esses meses fugindo de caras sorridentes que poderiam roubar seu coração. Se enganou que talvez por uma semana o tivessem feito, mas se enganou tão bem que procurava nos olhos castanhos o que nunca encontraria em olhos como aqueles. Se enganou tão bem que procurou graça e liberdade ao invés de estabilidade. Fugia de sentimentos, fugia dos riscos de algo permanente, queria a liberdade e assim, se livrar como um pássaro liberto das algemas que um antigo amor a prendia diariamente, e toda noite em todos os sonhos. Não negava que sentia falta de se apaixonar com toda a graça da curiosidade e descoberta do novo, mas não há novo enquanto o antigo permanece. Apagou o último cigarro do maço e enxugou uma lágrima enquanto um grupo de amigos passavam por ela com cheiro de álcool ou algo parecido. Ele não viria. E ela não ligaria para ele para ter essa certeza.

Passaria um mês, no aniversário dela, e ele entraria em contato, com um remorso influenciado pelo seu amigo a encontra-la. Com orgulho se fez de desentendido, como quem não queria nada e perguntou por ela no outro lado da linha. Ficou estático e entendeu tudo, todos os motivos ... e tremeu as mãos a ponto de deixar despencar o telefone. Um mês atrás ela queria se desculpar, ela queria entender o que aconteceu com os dois, perdoar, ser perdoada. Um mês atrás ela queria aliviar a dor que sentia não somente da perda do outro, mas da perda que estava acontecendo com ela mesma, a perda de si, que os remédios apenas adiavam. Um mês atrás ela queria se despedir.

E o que restou a ele foi somente um grito sufocado e o endereço da igreja que aconteceria a missa do sétimo dia.

4 comentários:

Thiago Dalleck disse...

Bom texto para ser ler pela manhã, rs... dá pra imaginar visualmente toda a cena

"como se traga almas na solidão"...

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La Question, de Françoise Hardy. Uma das canções mais lindas que já ouvi...

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