quinta-feira, 8 de setembro de 2011

uma folga

       

Era aquela correria todo os dias de manhã. Corria pro banho de dois minutos, se arrumava com a primeira roupa que achava, prendia o cabelo ainda molhado e uma tiara tirando a franja dos olhos. Saia de casa sem ao menos uma gota de café, e no trânsito parado das pontes da marginal Tiête, dormia encolhida no banco do ônibus lotado, sentido à avenida Paulista. E acordava na correria de descer do ônibus e atravessar ruas até o trabalho, onde começava com a correria de buscar café, ligar o computador, checar a lista de coisas para terminar no prazo do seu chefe que corria tanto quanto ela.
Mas naquele dia, ela abriu os olhos e se deparou com o caos da cidade grande, abriu os olhos, ainda deitada e quente na sua cama. Se levantou com calma, olhou o relógio, que marcava sete e meia da manhã. Se olhou no espelho e não reconheceu a si mesma. Voltou a dormir, mandou uma mensagem qualquer pro trabalho e teve o dia para si só.
Levantou ás onze em ponto, com os pés descalços foi para o banheiro e tomou um banho como há tempos não tomava, redescobrindo o seu corpo e cuidando de si mesma. Tomou um café, acendeu um cigarro no jardim da sua casa, molhou as plantas.
Ligou o computador e fechou as janelas de arquivos que só deveria conhecer no ambiente de trabalho. Secou o cabelo enquanto olhava a lista de músicas salvas. Achou um samba bem antigo e deu um play no último volume. Pintou as unhas do pé de azul e as da mão de vermelho paixão. Riu de si mesma, e dançou sozinha no quintal de casa. Comeu frutas, tomou mais café, fumou cigarros, andou descalça pela casa, leu algumas páginas do seu livro. Trocou o samba antigo pela mpb, e depois pelo rock e terminou o dia ouvindo um ska antigo na janela do seu quarto, com os raios de sol do fim da tarde que a tocavam silenciosamente, sem ela perceber o quanto aquilo era precioso.
Tirou a quarta-feira para ela, e somente para ela. Sem amigos, sem amores, sem trabalho e sem chefes. Sem trânsito, sem banho rápido, sem estômago vazio de manhã, sem cigarro molhado de chuva, sem pessoas atropelando no metrô, sem barulho e gritos no ônibus, sem broncas, sem risadas falsas no trabalho, sem nada, nada e nada. Era o dia dela. E descansou. Pegou o telefone e fez a ligação que há tempos vinha adiando. Ele atendeu, ela disse oi. Ele ficou mudo. 
Pai, me desculpa pela distância? 
Claro, ele desculpou.

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